Crônica publicada no Jornal D´Aqui em Janeiro de 2017
Entre o ente devedor
e o ente consumidor há um espaço que
poucos veem e muito menos deles têm consciência. Em nossa vida privada fortemente
privilegiada na escala de valores das
últimas décadas tendemos a buscar
refúgio na interioridade, o que nos levou ao distanciamento da noção do coletivo e de que somos, na verdade,
todos um.
É preciso muita imaginação para escaparmos das imposições
angustiosas diárias das notícias e dos acontecimentos mundiais.
Hannah Arendt chama esse processo de “desmundialização” que paradoxalmente acontece em paralelo com a
reconhecida globalização econômica e
cultural. Diz ela ter ficado estarrecida com
a aceitação e a banalização das
práticas desumanas encontradas na sua
pesquisa para elaboração do livro “ Eichmann em Jerusalém” .
Nessa linha de
pensamento ela atinge o ápice de uma
questão presente hoje nas chacinas nas prisões do Brasil e nas guerras entre
etnias e grupos com interesses econômicos no Oriente além de tocar outras
questões. As formas políticas atuais burocratizadas por indivíduos normais estão
descompromissadas da visão mais ampla e reflexiva sobre a idéia de sociedade
como sendo um organismo único maior.
A resposta dos indivíduos a esses estímulos
imperceptíveis parece gerar
a preferência generalizada do indivíduo em ficar no espaço entre o dever e o consumir camuflando – até
por conforto e proteção - a
realidade, para não pensar ou imaginar
um mundo diferente.
Em contrapartida , o
acesso à imaginação dá-se
inevitavelmente pela Arte. Seja de que modalidade for, ela exige o
desapego dos padrões, exige a coragem de criar, exige a formação de novas
sinapses, exige o abandono da realidade imposta, exige o uso do hemisfério
direito do cérebro – seja fazendo ou fruindo uma obra de arte. Daí pode-se
dizer que um sujeito iniciado nos domínios e nas consequências da Arte é um
privilegiado e um vencedor sobre as imposições
subliminares a que a massa está exposta e impelida diariamente.
As coisas prontas, as imagens excessivas, as obscenidades
mais obscenas que o obsceno – citando Jean Baudrillard – as distrações , aí estão tentando abafar toda e qualquer capacidade do ser humano imaginar um mundo
diferente. As “Estratégias Malévolas”
apontadas por Noam Chomsky embora grassem soltas em todos os meios e
estratagemas de comunicação aí estão
para serem repelidas ou confrontadas a
fim de que não tenhamos que viver apenas
soterrados pelos atrofiamentos de
caráter político, econômico e social que
nos assombram historicamente.
Encarar a Arte como um possível caminho em direção à
liberdade e à responsabilidade que temos uns para com os outros aparece como um
ato de resistência. Procurar conhecer para fazer diferente : exercer a
capacidade de ver o todo, intuir
caminhos e formas de seguí-los, sair do conforto habitual, e ir em busca
do momento re-criativo .
Assim fica o convite : instrua-se na Arte, solte sua
imaginação, constitua-se como sujeito da
ação e da reflexão .
Aja politicamente!
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