(Ensaio publicado na revista digital Babel Cultural em janeiro de 2016)
“... a vida é, de um lado, anseio de ser e, de outro lado, temor
do nada. Essa é a angústia. Pois o nada
amedronta o homem.”
García Morente.
Em
nossa existência temos apenas uma certeza : a de nossa finitude. E a
inquietação com o sentido da vida nos torna entes peculiares cuja propriedade mais estranha é a de
termos consciência do resto das coisas e de fazermos parte delas .
Seres
humanos, desde cedo apresentamos nossos relatos,
questionamentos, anseios e faltas.
Quando
vivíamos submissos às leis da Natureza e buscávamos abrigo nas cavernas fixamos
nossa necessidade de expressão pintando cenas marcantes nas paredes. Assim
surgiram os mais excitantes e primitivos museus
de Arte da humanidade.
Nossa idéia de SER veio sofrendo enormes e
essenciais transformações no decorrer da História e filósofos e artistas até hoje tentam explicar esse
processo.
Sabe-se
que para enfrentar essa jornada é
preciso ir ao âmago das questões , chegar à essência da alma que para Sócrates era a sede da razão - o
eu-consciente moral, intelectual e sensível fazendo-se distinto de todos os
outros seres da natureza.
A
pergunta essencial que Sócrates tentava responder era: o que é a essência do
homem? Ele respondia dizendo que o homem é a sua alma e que para tomar posse de
si mesmo precisa tornar-se dono de si pelo saber.
Já
Santo Agostinho interpreta essa inquietação humana como sendo a necessidade de
encontro com a figura divina. O homem
que não entra em contato com Deus seria, em sua visão, inacabado, incompleto,
vazio. Em contrapartida, aquele que entra e compartilha do divino torna-se
iluminado, completo, descobrindo a verdadeira felicidade.
Com as
ciências e os anseios de liberdade de Voltaire a Rousseau e a Kant,
surge a ênfase nas idéias de progresso e
perfeição humanas, assim como a defesa do
conhecimento racional como meio para a superação de preconceitos e ideologias
tradicionais. O Iluminismo vem como
uma atitude geral de
pensamento e ação, buscando um mundo
melhor pela introspecção e engajamento
político-social. Nasce o homem moderno.
Seguindo,
encontramos o pessimismo de Schopenhauer dizendo que apenas pela arte e pelo abandono de si, o homem poderia se libertar da dor;
Kierkegaard considerando que tanto
é possível a dor como o prazer, o bem como o mal, o amor como o ódio, no entanto
enfatizando a eterna insatisfação humana onde a relação do homem com Deus seria
talvez a única via para a superação da angústia e do desespero marcada pelo
paradoxo de ter de compreender pela fé o que é incompreensível pela razão.
Husserl,
Heidegger, Sartre, Ortega y Gasset analizam a seu modo como onde e porquê o homem não assume a sua própria cura,
se perde e se aliena já que o ser
autêntico exige o mergulho na angústia do Nada.
Ao ter
seus anseios de liberdade o homem torna-se responsável por tudo quanto fizer e
sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, está condenado a reinventar-se
constantemente.
Aqui trazemos a vida para o agora : a vida humana
é sempre minha, a de cada qual, a de
cada um de nós. É individual, pessoal e consiste no eu que se encontra numa circunstância no mundo, sem ter a certeza
de existir no instante imediatamente posterior e tendo sempre que estar fazendo
algo para garantir essa existência.
A ação
humana supõe então um sujeito responsável, e a vida é, por essência, solidão.
Entender
o vazio existencial numa perspectiva histórico-filosófica nos
permite
ter um panorama geral amplo e abrangente
que abarca diversas linhas de pensamentos dos mais diversos autores e
filósofos.
Compreender
esse apanhado histórico significa tomar posse dos conhecimentos, teorias e
visões que influenciaram e influenciam o que hoje entendemos sobre o tema. E a
Arte nos possibilita, agora, empreender uma jornada de identificação do vazio
existencial no momento atual, observando as implicações no nosso cotidiano, no
sentido de nossa existência e nas nossas vidas como um todo.
Ilustrações : Pinturas rupestres Serra da Capivara
"O Nada de Cordélia" Encáustica sobre linho 2015.